
Votos de mulher
Não quero flores
Porque elas ainda tem sangue.
Não quero amores
Que me deixem exangue.
Não quero migalha
De direito torto.
Quero igual salário
A quem, como eu,
Em dobro trabalha.
Não quero assédio
Nem feminicídio.
Nem olhar promíscuo
De homem médio.
Não quero o tédio
De outro ego arisco
Sobre minha dor,
Sem nenhum remédio.
Quero-me inteira
Gorda, magra ou virgem,
Ou puta alvissareira,
Casada, amante ou solteira,
Ou casta monja à beira.
Quero-me alma prazenteira
E corpo ao meu gosto
Sem desgosto imposto
Sem forma embusteira.
Quero-me mãe, irmã, companheira,
Às vezes terna, às vezes guerreira,
Resistência e não mais
A boneca faceira
Que se faz brincadeira
De um homem capataz.
Irmãs, nossa é a luta
Que não disputa
O poder do poder
O poder de ter.
Nossa é a luta
De poder ser.
Irmãs, nossa é a labuta
Por mais escuta
De qualquer padecer.
Seja-nos esta vida enxuta
De lágrima e sangue.
E jamais se faça curta
Pela força bruta
De uma insana gangue.
Irmãos, aqui estamos
Irmãs e mães, amores e filhas…
Não queremos guerrilhas
Nem fugirmos todas às ilhas
Em que as Safos se escondem.
Reine entre nós serena amizade,
Parceria, respeito e igualdade.
Nenhuma voz jamais seja calada.
Só isso. E mais nada.
Dora Incontri